Endrigo Antonini

"Desenvolvedores de TI"

July 31, 2012 | 11 Minute Read

"Só em 2011 foram abertas 2 mil startups de tecnologia no País; investimento existe, o que falta é pessoal qualificado.

Todo mundo parece ter hoje alguma ideia para criar um aplicativo. Nada contra, afinal esse é um dos combustíveis do dinamismo da economia digital. Mas, se pelo menos parte dos projetos não for posto em prática, sobra só o blablablá.

A questão é: todo mundo pode ter ideias, mas poucos são capazes de tirá-las do papel. Eis o motivo do apelo de mercado irresistível de desenvolvedores, designers e especialistas em usabilidade, gente que transforma blablablá em projetos, próprios ou de terceiros. Eles estão em falta, o que tem emperrado o crescimento das startups de tecnologia.

De acordo com a consultoria Michael Page, o número dessas empresas nascentes tecnológicas cresceu 30% no País no primeiro semestre de 2012 quando comparado com o mesmo período do ano passado. Segundo o Instituto Inovar só em 2011 foram lançadas 2 mil startups no Brasil. Dinheiro não é problema: um universo de mais de 5 mil investidores têm cerca de R$ 450 milhões aplicados nesses empreendimentos.

Criador da Anjos do Brasil, entidade que reúne investidores-anjo (cujo papel é garantir capital inicial para startups), Cassio Spina afirma que um desenvolvedor iniciante pode ganhar de R$ 3 mil a R$ 4 mil. “Dá para chegar em R$ 10 mil fácil.”

Com bons profissionais já empregados e a dificuldade de reposição de talentos, o empreendedor precisa correr atrás. Tem de pagar caro para tirar um desenvolvedor de outra empresa ou fazer uma romaria por eventos e competições – as patrocinadas por grandes empresas têm mais de 200 mil inscritos, como a Imagine Cup, da Microsoft (veja abaixo). Quando encontra alguém qualificado, mais do que contratar, terá de convencê-lo de que o projeto vale a pena. “Dá para fazer uma troca: a startup abre as portas para um jovem que quer empreender, mas não conhece o mercado, e ele ajuda a desenvolver o negócio por algum tempo, enquanto acumula experiência”, diz Spina.

Um dos problemas do mercado é o fato de muitos profissionais abrirem empresas para prestar serviço como pessoa jurídica. “Isso aumenta o ganho nominal, mas inflaciona os preços”, diz Spina. A situação cria uma dificuldade adicional. Startups que já receberam aportes de investidores ou estão de olho nesse dinheiro normalmente são obrigadas a contratar pela CLT. “O prestador de serviço é visto como um risco alto de processo trabalhista no futuro.”

Spina espera que em algum momento o mercado brasileiro amadureça e possa adotar com mais frequência o modelo americano do stock option, em que o profissional recebe ações da empresa e tem a opção de ganhos maiores mais à frente. Ou, pelo menos, do phantom (fantasma) stock option, em que o funcionário, embora não receba cotas da empresa, tem participação no lucro.

“Outro desafio grande é você criar um ambiente de trabalho diferente, porque esse tipo de colaborador gosta de mais liberdade e menos hierarquia”, diz Spina. “O desafio é conseguir mostrar isso na hora de contratar. É mais fácil usar o ambiente de trabalho como trunfo na retenção de pessoal.”

“Você não anuncia uma vaga e oferece um salário. A pessoa quer conhecer e se envolver com o projeto”, diz o jornalista Felipe Gazolla, de 27 anos. Criador do YouCast, agência colaborativa de notícias que vende para a imprensa material produzido por cinegrafistas amadores, Felipe montou sua equipe oferecendo participação nos resultados a jovens que, como ele, se formaram na Universidade Federal de Juiz de Fora.

Encontrar o time ideal exigiu disposição para encontrar desenvolvedores em eventos como a Campus Party realizada no fim de semana passado no Recife, com a qual o YouCast fechou parceria para fazer uma cobertura de imprensa colaborativa. “Em competições, desafios e eventos em faculdades também dá para achar gente muito boa.”

Acomodação

Felipe acredita que hoje é tão difícil encontrar bons desenvolvedores (devs, na gíria do mercado) quanto designers qualificados para o mercado digital ou profissionais de user experience, ou usabilidade. Estes últimos criam os mapas de navegação dos sites e aplicativos; os designers cuidam do visual e os desenvolvedores, da programação que faz todo o conjunto funcionar. “Às vezes é até mais difícil achar designer do que desenvolvedor. Os devs são mais atirados, têm mais espírito empreendedor.”

Representante no Brasil do App Date, evento criado na Espanha para aproximar gente com ideias de investidores e pessoal técnico qualificado, Pedro Berti também acha que os designers precisam ser encorajados a sair para o mercado. “O meu feeling é de que hoje o designer precisa mais do dev do que vice-versa. A situação pode melhorar quando profissionais mais experientes, de jornais e revistas, migrarem para a área de Tecnologia da Informação.”

Ao contrário de Felipe, do YouCast, o carioca Fabio Freitas adotou o modelo do Vale do Silício no BoaLista, aplicativo que lê códigos de barra de produtos e dá ao consumidor referências de preços no varejo. Todos os integrantes da equipe de 13 pessoas são sócios na startup. “Nesse esquema o comprometimento é muito maior.” O empresário cita como exemplo as longas jornadas de trabalho do fim de semana, quando o BoaLista, que tinha só o aplicativo para smartphone, lançou seu site. “Teve gente que virou até as 6 da manhã.”

Formado em Informática pela PUC-Rio, Fabio faz mestrado em Engenharia de Sistemas e Computação na Coppe da UFRJ. Ele recrutou os funcionários-sócios do BoaLista nas duas instituições, mas acha que a maior parte dos colegas não está atento às oportunidades do setor. “No mestrado eu tinha aulas de Arquitetura de Computadores com mais três, quatro pessoas. É pouco. Deveria ter umas 20”, diz. “A sorte é que meu orientador, o professor Felipe França, comprou a ideia do projeto e divulgou entre os colegas. Dos dez funcionários da área técnica da empresa, seis vieram da Coppe.”

Faculdades

Para Luiz Fernando Garcia, diretor da Graduação da ESPM, há ainda uma discrepância grande entre as demandas de mercado e a formação proporcionada pelas faculdades. Na avaliação de Garcia, muitas empresas procuram um profissional que alie criatividade e habilidades técnicas – um tipo raro de especialista capaz de resolver tudo.

“Formar alguém que tenha a soma desses dois atributos já é possível, mas o que tem sido feito hoje pelas escolas não é ainda suficiente para uma instrução tão sofisticada”, afirma Garcia. Ele acredita que o caminho a se seguir hoje é atrair pessoas com formação diversificada. “Caminhamos cada vez mais para um mundo colaborativo e multidisciplinar, em que a soma das competências geralmente é responsável pelos melhores resultados.”

Uma das dificuldades na formação de pessoal é o fato de o mercado digital mudar muito rápido. “Isso acontece de ano para ano, às vezes até de um semestre para o outro. Antes, todo mundo estava ligado no Facebook, que parece ter estabilizado a audiência. Hoje a bola da vez é o smartphone. O ano que vem provavelmente será dos tablets”, diz o publicitário Gilmar Gumier, de 33 anos, sócio da Satis, consultoria de user experience. “Para a nova geração, isso é normal. Para a minha – fui ganhar o primeiro computador aos 14 anos – é meio tenso”, brinca o empresário.
De qualquer forma, Gilmar vive comprando gadgets para a empresa. É preciso testar smartphones e tablets para desenvolver a tal usabilidade, formas de melhorar a experiência do usuário. A Satis monta wireframes, uma espécie de planta baixa dos sites ou aplicativos. É no wireframe que se determina o local ideal para o designer colocar, por exemplo, o botão que será clicado para a compra de um produto.

A área tem suas convenções próprias. Na chamada “página do carrinho”, cria-se um ambiente restrito à compra, sem nada que distraia o cliente do momento de fechar o negócio. Da mesma forma, os sites das empresas não usam o termo RH nas páginas de recrutamento de pessoal. A convenção é criar um link com a chamada “Trabalhe Conosco”. “Você pensa na forma mais fácil de navegar para que a pessoa que está usando o produto não precise pensar”, diz Gilmar. “Quanto mais perfeito nosso trabalho, mais imperceptível ele é.”

As empresas de user experience normalmente prestam consultoria para agências de publicidade e startups e seguem a recomendação de Garcia, da ESPM, apostando em equipes multidisciplinares. Psicólogos, antropólogos e jornalistas dividem espaço com o pessoal de TI. “É preciso ter uma boa bagagem cultural, porque o nosso negócio é entender a cabeça das pessoas. O dev normalmente tem uma pegada mais racional, está mais preocupado com o banco de dados do que com o usuário”, afirma Gilmar.

Diante da falta de especialistas, muitas empresas têm buscado profissionais já com alguma experiência em áreas correlatas, aos quais oferecem treinamento específico. “Isso é necessário porque muitas dessas especialidades são novas”, diz Ricardo Basaglia, diretor da Michael Page. Entre elas estão as de analista de mídias sociais, de especialistas em marketing de busca e de experts em mobilidade. “Nada impede, por exemplo, que um engenheiro aprenda as práticas analíticas de um programador e as aplique à comunicação”, afirma Fábio Rowinski, diretor de Operações da iProspect Brasil, agência de marketing digital.

Gil Giardelli é CEO da Gaia Creative, agência de inteligência e comunicação digital que atende empresas como TAM e BMW. Na equipe, além de programadores e comunicadores, há um cientista social. Marco Magri, de 26, trabalha com as áreas de monitoramento e métricas. É responsável, por exemplo, por analisar o que é comentado de um determinado cliente nas redes sociais e qual a melhor estratégia para lidar com a situação. “Até chegar aqui, a perspectiva profissional que tinha era muito ruim”, diz Magri. “Atualmente, enxergo minha carreira de outra forma.”

Para Giardelli, Magri agrega valor “humanístico” ao negócio. “Compreender o comportamento das pessoas nas redes sociais me parece mais relevante do que contabilizar o número de likes que um cliente conseguiu no Facebook”

DEVS NA IMAGINE CUP

Irmãos lendários: Eduardo e Roberto Sonnino, vencedores de 3 categorias na Imagine Cup

O Brasil fez bonito na versão 2012 da Imagine Cup, competição da Microsoft que desafia jovens a criar soluções tecnológicas para problemas globais. Entre os 245 mil inscritos de 180 países, ninguém brilhou mais na final, realizada em meados do mês em Sydney, Austrália, que os irmãos Eduardo e Roberto Sonnino. Eles ganharam o prêmio principal de três das oito categorias do torneio com o Eureka, plataforma de compartilhamento de aulas interativas que usa recursos como 3D. “Participamos de 8 edições da Imagine Cup. Todos os 12 projetos que apresentamos nas finais mundiais chegaram pelo menos ao pódio", diz Roberto, que já trabalha como desenvolvedor contratado pela Microsoft na sede da empresa, nos EUA.

Poder feminino no Catar: Fatma Al-Mesaifri e Roqaya Al-Shaabi

Se no Brasil os homens são a esmagadora maioria em cursos de TI, a situação se inverte no Catar. “Acho que os meninos são mais interessados em Administração, enquanto a gente prefere Engenharia”, diz Fatma Al-Mesaifri, aluna da Universidade do Catar que participou da Imagine Cup com o 3D-Kindio, sistema que usa um capacete com câmera Kinect para orientar cegos, emitindo alertas sonoros quando eles se aproximam de obstáculos. E por que as meninas preferem Engenharia? “Porque temos paixão pela inovação!”, responde Roqaya Al-Shaabi, só os olhos à mostra sob uma espécie de burca.

Egípcio indignado: Nour El-Dien, formado em Engenharia pela Universidade de Ain Shams

Formando da Faculdade de Engenharia da Universidade de Ain Shams, Nour El-Dien fez parte do time que ganhou o prêmio principal da categoria Windows Phone Challenge na Imagine Cup. O Health Buzz, aplicativo que permite acesso rápido ao prontuário médico de pacientes, foi o primeiro de uma equipe do Oriente Médio/África premiado no torneio, que já teve dez edições. Mas Nour voltou para Mansura, terceira maior cidade egípcia, preocupado. Terá de prestar serviço militar por um ano como soldado ou por três como oficial. “Espero receber baixa, porque tenho 4,5 graus de miopia. Quero sair do Egito.” Nour é um dos muitos jovens indignados com a situação do país, matéria-prima da Primavera Árabe. “A mentalidade lá é atrasada.”

* O repórter viajou a Sidney a convite da Microsoft"

Fonte: Estadão

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